Santa Eufêmia do Gerês

 

 

Santa Eufêmia
 
Não havendo nenhum documento com valor histórico sobre a vida desta santa ou das suas irmãs, segue breve resumo de documento que o monge beneditino de Pombeiro, frade Bento da Ascensão terá publicado em 1722 referindo-se a santa Quitéria e às suas oito irmãs gémeas de entre as quais está Santa Eufémia.
 
“Pelos anos de Cristo, 120, nasceu Santa Quitéria na cidade de braga. Seu pai, Lúcio Caio Atílio Severo, era Régulo de uma das muitas províncias, em que esse tempo estava dividido o Império Romano, a qual se compunha de parte da antiga Lusitânia e de parte da Galiza. Residia este na cidade de Braga. E era casado com D. Cálcia Lúcia, ambos de famílias muito ilustres, porém, idolatras e gentias.
 
O Altíssimo, por milagre da sua providência, permitiu que Cálcia, depois de ser estéril por muitos anos, concebesse e trouxesse reclusas em seu ventre nove meninas contra a ordem comum dos partos. Completos os nove meses, Cálcia (na ocasião que o seu marido estava ausente, fazendo corte ao imperador Adriano, que andava viajando pela península) deu à luz as nove meninas, que nasceram tão perfeitas como esposas que haviam de ser do cordeiro imaculado.
 
Vendo-se Cálcia, mãe de nove filhas, dadas á luz de um só parto, dominada pela superstição, ou pelos prejuízos terríveis daqueles tempos, concebeu um projecto que só as fúrias infernais a quem adorava lhe podiam inspirar; por isso que causa horror ate às mesmas feras. Para se subtrair às sátiras do mundo e a indignação de seu marido, Cálcia concebe a infernal resolução de mandar afogar as meninas, sem excepção nenhuma.
 
Comunica o seu execrando projecto à única pessoa que tinha assistido ao parto, a Cita, devota donzela e cristã oculta e, depois de a obrigar a guardar o mais rigoroso segredo, ordena-lhe que faça primeiro divulgar a notícia de que ela tivera infeliz sucesso no parto, e que, depois de a família estar recolhida, aproveitando-se do escuro da noite, saísse do paço e fosse mergulhar as nove meninas em um dos poços do rio Este, que corre nos subúrbios de Braga.
 
Querendo, pois, e determinando a sua desumana mãe que morressem as inocentes filhas, o misericordioso Deus, que pela sua grande clemência costuma, muitas vezes, de grandes males tirar grandes bens, inspirou no coração da virtuosa cita o desejo de salvar a vida do corpo, e dar a vida às almas de tão belas e formosas meninas, e tendo oportunidade para por em execução o seu piedoso intento, ajudada da divina providencia, foi levaras meninas a Santo
Ovidio, Arcebispo de Braga, o qual, administrando-lhe o sacramento baptismo, lhe pôs os nomes seguintes: Genebra, Vitoria, Eufémia, Marinha, Marciana, Germana, Brasília, Quiteria e Liberata ou Vilgeforte, como outros lhe chamam.
 
Depois que as santas meninas foram regeneradas na sagrada fonte do baptismo, a compassiva Cita procurou nos arrabaldes de Braga amas cristãs para as criarem e educarem na lei e religião de Cristo, incumbindo-se o santo arcebispo de satisfazer toda a despesa. Cada uma destas amas procurava em religiosa emulação cumprir com os seus deveres, tanto pelo que respeitava ao alimento do corpo, como ao desenvolvimento do espírito.
 
A religiosa educação, que as nove meninas receberam na sua infância, produziu um tão grande domínio em seus corações que, em todo o decurso da vida e ate ao fim dela, sempre puseram em pratica as suas santas virtudes, e calcaram aos pés as grandezas e vaidades do mundo, só com o fim lucrarem a Jesus Cristo.
 
A sua vida virtuosa e quase angélica era admirada nos subúrbios da braga, e por todos os arredores se falava das raras virtudes e singular perfeição das nove meninas.
 
Chegando ao conhecimento destas angélicas meninas o perigo a que tinham sido expostas, quem eram, e qual fora o seu admirável nascimento e a barbara determinada de sua ímpia mãe, de entregá-las à morte em tempo que apenas entravam na vida, e de modo como deus, pela sua divina providência, as livrara da morte, não só do corpo mas também da alma, por meio do sagrado baptismo; em agradecimento de tão grandes benefícios, resolveram estas gloriosas virgens, estas santas irmãs, deixar de todo o mundo habitar juntas em a mesma casa, como em clausura, para assim melhor servirem a deus, resistirem com maior fortaleza aos seus inimigos, e crescerem mais na virtude e na castidade com o exemplo de umas das outras.
 
Obtida a aprovação e o consentimento do Santo arcebispo Ovidio, a quem respeitavam e obedeciam, como seu mestre, director e pai, viveram alguns anos, estas amantes de Jesus Cristo, nos arrabaldes da cidade de Braga, recolhidas na sua casa, como em um convento, entregando-se ao exercício de todas as virtudes, sendo a vida de cada uma um raro espelho de santidade, para todos os cristãos daquela terra, não se falando, por todos aqueles arredores,
em outra coisa senão na santa vida, que aquelas tenras e delicadas donzelas, passavam naquele retiro. Todos se admiravam de que – entre tanta formosura, prudência e outros dons da natureza – houvesse tanta virtude tanto recolhimento, resguardo e cautela.
 
Abrasadas estas santas meninas no fogo do amor divino, cada qual de per si, e umas na presença das outras, fizeram todas votos de castidade, consagrando a sua virginal pureza aquele soberano Senhor que as fizera nascer de um tão milagroso parto, e depois de nascidas as livrara da morte, que a sua mãe lhes mandara dar, criando-as e sustentando-as até ali com providência tão particular. Fechando pois os olhos ao mundo, e empregando-se só em seu
Divino Esposo, Lhe sacrificaram as suas almas e juntamente com elas os seus corpos, vivendo, naquela tenra idade, estas esposas de Jesus Cristo, santas nos costumes, puras nos corpos, e abrasadas nas obras com as chamas da caridade e com o fogo do Amor Divino.
 
Esta foi a criação e a virtuosa vida destas nove irmãs, nos arrabaldes de Braga, onde viveram 9 ou 10 anos, e com tanta perfeição, como se já estivessem no céu, imitando os anjos na pureza, os querubins no fervor, e os serafins no amor, e finalmente todas cheias de fervorosos desejos de passarem a gozarem da presença do seu Divino Esposo, por meio da ilustre palma do martírio, e para o conseguirem dirigiram ao céu fervorosas suplicas. Estas foram atendidas e
os seus desejos satisfeitos.
 
Foi por esta ocasião que se levantou uma cruel e terrível perseguição, renovando-se o cruel édito já principiado por Nero, cujo fim era extinguir totalmente do mundo o adorável nome de Jesus Cristo. Em Braga, e mais terras sujeitas ao Império Romano, se publicou solenemente, mandando-se nele com pena de morte, que se adorassem os ídolos e extinguisse o Cristianismo. Logo que este decreto chegou às mãos do Régulo de Braga, mandou-o publicar em todas as cidades do seu domínio, enviando ministros para diferentes terras, com ordens terminantes para obrigarem os fiéis a adorarem os falsos ídolos, e quando eles não quisessem, fossem conduzidos a sua presença, pare lhes serem aplicados os castigos.
 
Espalhando-se os infernais ministros da justiça pelos arrabaldes e becos de braga, se dirigiam à casa onde viviam as nove irmãs, e encontrando esta santa comunidades de virgens, certificados de que elas eram cristas, as levaram presas à presença do regulo bracarense que então estava na antiga cidade de Tide, situada na margem esquerda do rio Minho a pequena distancia da Praça de Valença.
 
Com muita alegria caminhavam as santas meninas ansiosas por serem apresentadas no tribunal, para serem julgadas e sentenciadas pelo Régulo, seu pai. Este , apesar de ainda não as reconhecer como suas filhas, ficou logo impressionada com a modéstia, humildade e rara formosura das nove donzelas, e tratando-as com brandura e afabilidade de fez diferentes perguntas relativas á sua pátria, pais e religião que professavam, e se estavam resolvidas a dar
cumprimento ao que mandavam os imperadores, adorando os deuses imortais, conservadores do seu império.
 
Santa Genebra tomou a palavra e respondeu em nome de todas:
 
“A nossa pátria senhor, e a cidade de Braga; se desejais saber de onde descendemos, podeis acreditar que em nossas veias circula o sangue da principal nobreza desta província; pois que todas somos tuas filhas e de Calcia, tua consorte…enquanto à religião que professamos, sabe que todas adoramos Jesus Cristo, filho de Deus vivo, com quem nos desposamos pelo baptismo; e que todas estamos resolvidas e prontas a dar o sangue das próprias veias pela
confissão do seu santo nome, ainda à custa dos maiores tormentos”.
 
Contou-lhe em seguida as circunstâncias do seu nascimento e o modo por que escaparam à morte, a que a mãe as condenara. Fê-lo ciente da sua criação, dos seus propósitos e da resolução em que todas perseveraram firmes e concluiu dizendo:
 
“ Aqui estamos na tua presença; dispõe de nós como melhor te parecer”.
 
E tanto ela como as irmãs ficaram com uma aprazível e celeste serenidade.
 
Não há termos com que se possa explicar a impressão que esta notícia produziu no coração do Regulo bracarense. Recorda-se de algumas coisas passadas, que o movem a acreditar no que ouvira… Atilio muda de cor por diferentes vezes….não pode encobrir a inquietação que sente dentro do peito…suspende logo a acto judicial, e manda retirar os ministros, ficando só com as meninas e com Cita que as acompanhava. Tirando-lhes dos pulsos as algemas e conduzindo-
as ao interior do palácio, chama Cálcia, sua mulher e conta-lhe tudo o que ouvira a Genebra. Cálcia fica cheia de confusão e de medo, e ainda mais, quando ouve da boca de Cita, o modo como conservara a vida do corpo e dera vida as almas daquelas inocentes…Cálcia não se atreve a negar, antes confessa tudo como tinha sucedido.
 
Logo que foram reconhecidas por filhas, tanto o pai como a mãe soltaram as rédeas aos afectos naturais… abraçam, uma por uma, as ternas meninas, cobrem-nas de beijos, empregam toda a autoridade e arte para as persuadir que, abjurando o cristianismo adorassem os ídolos…ponderou-lhes a alta qualidade dos seus ascendentes, a abundância
 
das riquezas o amor e desvelo com que procurariam, para cada uma, dignos esposos com que pudessem goza, contentes, das prosperidades e bens do mundo. Porém as nove meninas, com uma firmeza e constância inabalável, desprezaram todas as promessas e permaneceram firmes
na sua resolução.
 
Vendo o Regulo frustrados todos os esforços que o amor de pai e a fé de idolatra lhe subministraram afim de apartar as filhas da religião cristã, que tinham bebido com o leite, encheu-se de indignação, e parecendo-lhe que acabariam com ameaças, o que não podiam as carícias paternais, começou a prometer martírios, jurando pelos seus deuses que lhe tiraria a vida, à força dos tormentos mais esquisitos, se desprezassem as suas determinações, e se não se resolvessem de pronto a oferecer sacrifícios aos deuses do império.
 
Serenou Cálcia estas furiosas iras de Atílio, e conseguiu dele, a poder de rogos, que se lhes desse algum tempo para considerarem aquilo que deveriam escolher, esperando que, como meninas, tomariam outra resolução, depois de serem reconhecidas por suas filhas e destinadas para esposas de alguns mancebos nobres, formosos e ricos; e de comum acordo as deixaram sós, encerradas em um dos salões do seu palácio.
 
Depois que seus pais se retiraram, as nove meninas, prostradas ante a presença do Altíssimo, lhe suplicaram com toda a candura das suas almas angélicas, que lhes inspirasse o modo como haviam de dirigir os seus passos no caminho da vida, e lhes desse constância e fortaleza, para nunca anuírem a tais detestáveis proposições; nem temerem a morte, que por instantes as esperava, as suas preces foram prontamente ouvidas e as fervorosas suplicas favoravelmente despachadas. Lá por entre a escuridão da noite uma brilhante claridade vem iluminar aquela prisão; desce um anjo do Senhor, que vem confortar as suas fieis esposas naquela tribulação, e, depois de lhe fazer conhecer o perigo, em que estão, de apostatar da religião santa lhes
intima da parte de Deus a ordem de fugirem, quanto antes, daquela casa, e de seguir cada uma a direcção que o Senhor lhe inspirar.
 
O mesmo anjo, que lhes intimou a ordem do céu, lhes facilitou a saída do palácio, sem que
alguém desse fé da ausência delas. Caminharam todas juntas por algum tempo, por entre as trevas e silêncio da noite, até que assentaram entre si apartarem-se umas das outras, e antes de darem mutuamente o abraço de despedida, Santa Liberata, levantando as mãos e os olhos ao céu, proferiu a seguinte suplica: “ Senhor meu, Jesus Cristo, que permitiste nascêssemos todas em um dia, e , livrando-nos do transito da morte nos deste nova vida de graça, pedimo-Vos Senhor, pela vossa divina misericórdia, e pelo eterno e incomparável amor com que nos amaste, sejais, Meu Deus, servido levar-nos todas ao descanso eterno, e não consintais, meu bom Jesus, que se apartem do caminho da gloria aquelas que tão unidas foram enquanto
viveram na terra”.
 
Todas com o mesmo espírito e com a mesma fé responderam:” Amen”. Deram os últimos abraços umas às outras, em sinal de recíproco amor, e como que se despedia para se não tornar a ver na vida mortal, se despediram as angélicas meninas, dirigindo-se cada uma para onde o divino esposo a encaminhou, e apesar dos esforços empregados pelo pai e pelos domésticos e vizinhos, que foram logo em procura delas, apenas puderam apanhar santa Quitéria com algumas pessoas que a acompanhavam; toda as mais conseguiram evadir-se para diferentes terras.
 
Santa Marinha - foi encaminhada pelo divino Espírito para a Galiza. Ai, depois de ter servido a uma lavadeira, perto da cidade de Orense, foi depois perseguida por ser cristã. Primeiramente a açoutam ate lhe dilacerarem as carne. Em seguida foi descarnada com pentes de ferros. Depois encarcerada em uma escura masmorra, sendo ai visitada e curada por um anjo. Queimaram depois as costas e os peitos com ferro em brasa, e prendendo-as de pés e mãos a lançaram num tanque de agua de onde, saindo milagrosamente livre foi metida em uma fornalha embravecida com chamas, as quais, separando-se para os lados, nem sequer a tocaram levemente. Foi por isso degolada em Aguas Santas perto da cidade de Orense na Galiza, onde el rei d. Afonso o magno, mandou edificar uma igreja dedicada ao seu culto.
 
Santa Vitoria esta santa foi martirizada na cidade de Córdoba, Espanha, com tormentos esquisitos. Passou pelo fogo, pela roda de navalhas, e por fim morreu crivada de setas no ano de 138….
 
Santa Genebra - esta santa padeceu pelo Divino Redentor e foi martirizada…diz-se que o seu martírio fora na antiquíssima cidade de Tide e que esta extinta cidade existiu perto de Valença do Minho e fora a capital de entre Lima e Minho. Nada se sabe do seu martírio.
 
Santa Liberata- esta santa retirou-se para o deserto e padeceu o martírio da cruz, uns dizem que em Miragaia do Porto outros em castelo branco, e o padre Cardoso no seu dicionário geográfico diz que fora em aguas santas, uma légua para norte da cidade do Porto, no sitio onde rebentou uma fonte chamada santa, pelos efeitos milagrosos com que eram beneficiados os doentes que a ela concorriam.
 
Santa Eufémia - retirou-se para as Serras do Gerês onde viveu dois anos, depois sendo perseguida por causa de Cristo, foi presa, açoutada e em seguida encerrada em um cárcere e ai milagrosamente curado por um anjo. Depois, pendurada pelos cabelos numa figueira. Em seguida, precipitada em uma alta penedia na mesma serra, e por fim degolada. As suas preciosas relíquias conservam-se na sé de Orense.
 
Santa Marciana – diz-se que esta santa padecera o martírio na cidade de Toledo, no ano de 155.
 
Santa Basílica - são três as opiniões acerca do lugar de martírio desta santa. Uns afirmam que padecera em Sirmo, antiga cidade da Betisa, outros que fora martirizada na síria; e Cerqueira Pinto é da opinião que esta santa padecera o martírio com algumas das irmãs em Aguas Santas, junto ao porto.
 
Santa Germana - uns dizem que esta santa fora martirizada em África e outros em Aguas Santas. Nada se sabe a tal respeito.
 
Santa Quitéria foi martirizada no monte Pombeiro, junto de Margaride”.